domingo, 24 de fevereiro de 2008

Krónikas do Alto Alentejo (XIV)

Altas Quintas




Finalmente o momento há tanto tempo esperado: a visita às Altas Quintas. Na realidade o local chama-se Quinta da Queijeirinha e fica na estrada de Portalegre para Alegrete. Passei lá várias vezes mas só há pouco tempo tive oportunidade de visitar o local, sob a orientação do próprio João Lourenço, o produtor que vendeu a Herdade do Perdigão e encontrou ali, a meio da serra de São Mamede, o local ideal para o seu novo projecto.
Toda a zona envolvente, um pouco acima de Portalegre, está situada num planalto ali a meia encosta, que é por onde se distribuem as várias quintas de produção vitivinícola por onde passei nestes últimos meses: a Herdade dos Muachos, a Herdade do Porto da Bouga, a Adega da Cabaça, a Quinta do Centro, de Rui Reguniga e Richard Mayson, a Quinta do Seixo, de Jorge d’Avillez, e esta Quinta da Queijeirinha. O Monte das Cortês, berço do Casa de Alegrete, já fica lá no alto da encosta.
Estava um dia de sol e céu limpo, depois de várias semanas de frio intenso e nevoeiro, e o ar que se respirava até revigorava a alma. Enquanto esperava que João Lourenço dispusesse de alguns minutos do seu tempo para me atender, dei uma volta pelo casario, olhei a vinha ao longe, agora despida de folhas, mais ao longe ainda uma pequena barragem, algumas árvores de fruto a integrarem-se na vegetação da encosta e uma pequena segunda quinta mais acima, donde saiu o nome Altas Quintas. Ali ao pé alguns cavalos davam o toque do que resta da antiga vocação agro-pecuária da quinta. Por instantes fiquei a pensar como será viver ali, na própria quinta, levantar e já estar no local de trabalho, com uma paisagem paradisíaca para olhar e livre do bulício das cidades...
Desde 2003 que a propriedade foi reconvertida para a produção vitivinícola. Dessa altura resta alguma cultura de laranjeiras, castanheiros e oliveiras. A vinha domina, com 80 hectares em produção e 25 novos. As instalações existentes foram igualmente aproveitadas para o novo projecto. A antiga vacaria foi reconvertida em sala de barricas, enquanto ao lado vai surgir uma sala de provas. Noutra casa encontram-se as cubas de fermentação para tintos, brancos e rosés, à mistura com alguns balseiros de madeira igualmente destinados à fermentação dos tintos, numa sucessão impressionante de salas repletas do mais moderno equipamento que me foi dado observar. Numa parede um painel mostra a temperatura das cubas, controlada por computador.
Por uma porta sai-se duma sala de fermentação e entra-se na zona de engarrafamento e embalamento. A linha de engarrafamento é maior que a da Adega Cooperativa de Portalegre e da Herdade dos Muachos e totalmente automatizada. Na altura estavam na ponta da linha os rótulos dum novo vinho a ser lançado pela casa: Mensagem de Aragonês, que tinha lançamento previsto, já com algum atraso devido a problemas com a feitura do original rótulo, para o final de Janeiro (nesta altura, a confirmarem-se segundo as previsões do produtor, já deverá ter chegado ao mercado e o Pingas no Copo já apresentou uma prova). O embalamento e arrumação do vinho em caixas passa-se numa antiga sala de gado caprino. Saindo por outra porta entra-se na adega onde repousam milhares de garrafas. Mais ao lado ainda há uma entrada em rampa para camiões.
A produção anual ronda as 200.000 garrafas, havendo muito trabalho na vinha para limitar a produção e melhorar a qualidade. Todos os tintos fermentam em madeira, entre 6 meses e 1 ano. As castas predominantes são as tradicionais Aragonês, Trincadeira, Alfrocheiro e Alicante Bouschet, esta muito por influência do enólogo Paulo Laureano. Nos tintos em produção encontram-se o Crescendo, o Altas Quintas e o Altas Quintas Reserva, e agora o Mensagem de Aragonês. Nos restantes a aposta para já limita-se ao Crescendo.
Pelo que tive oportunidade de ver o vinho Altas Quintas já chegou ao oriente: numa prateleira no escritório estão alguns exemplares representativos de garrafas do Reserva exportado para a China e Hong-Kong. No final, João Lourenço ainda teve a amabilidade de me presentear com uma garrafa do novel Mensagem de Aragonês dentro duma caixinha toda catita. Está guardada à espera duma boa ocasião para a abrir.
Foi uma visita bastante enriquecedora, onde pude ver a grandiosidade duma empreitada destas, que deve ter custado umas boas dezenas ou centenas de milhares de euros, com a mais alta tecnologia ao serviço da elaboração dum grande produto. Só me restou agradecer a atenção dispensada e a oferta que me foi feita e desejar continuação do sucesso que a marca Altas Quintas tem vindo a obter no pouco tempo que tem de existência no mercado.

Kroniketas, enófilo itinerante

Altas Quintas, Produção de Vinhos
Quinta da Queijeirinha, Estrada de Alegrete
7300-563 Portalegre

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Os vinhos da festa 2007-2008 (4)

No meu copo 166 - Tintos do Alentejo



Ainda continuamos com os vinhos provados durante a quadra festiva do Natal e Ano Novo. Tintos foram vários. Começamos pelos do Alentejo.

Dona Maria 2004 - Outro vinho que é “mais do mesmo”: muita concentração, muita fruta e álcool a mais. Começam a faltar-me palavras para caracterizar este tipo de vinhos, sobre os quais também já me falta paciência para escrever. Depois da saída dos vinhos da Quinta do Carmo das mãos de Júlio Bastos e do lançamento destes vinhos Dona Maria, não sei se com este perfil os novos vinhos irão fazer concorrência aos antigos... Nota: 6

Granja-Amareleja 2004 - Aconselhado no contra-rótulo a beber acompanhando pratos de caça. No entanto revelou um perfil pouco pujante para se bater de igual para igual com este tipo de comida. Talvez precise de uma segunda apreciação, mas apresentou-se com um corpo algo delgado para as pretensões anunciadas. Não deixando de se beber com agrado, ficou um pouco aquém das expectativas, com aroma algo discreto e sem grande persistência. Nota: 7

Herdade do Peso, Alfrocheiro 2000 - Já apreciado aqui, há algum tempo. Perdeu em exuberância aromática o que ganhou em elegância, mas continua a ser um belíssimo vinho. Alguém à mesa disse que seria um bom vinho para alguém que não aprecia vinho começar a provar. Juntamente com o Garrafeira dos Sócios e o Quatro Castas faz o triângulo dos vinhos de que ninguém fala e que fazem as nossas delícias sem custarem uma fortuna. E alguém disse que tem 14 graus? Nota: 9

José de Sousa 2003 - Um clássico do Alentejo, que há muitos anos se chamava “Casa Agrícola José de Sousa Rosado Fernandes - Tinto Velho”. Modernizou-se, perdeu algum excesso de madeira que por vezes se notava, está mais elegante e frutado. Mas talvez precisasse de um pouco mais de estrutura para se guindar de novo a outro patamar. Nota: 7,5

Singularis 2004 - Uma estreia deste vinho personalizado de Paulo Laureano, numa nova linha de produtos só com castas portuguesas, neste caso Aragonês e Trincadeira. Bom corpo e bastante fruto, alguma especiaria e boa persistência, com um toque de madeira a marcar o fim de boca. Um vinho equilibrado com potencial para acompanhar pratos condimentados. Nota: 7,5

Kroniketas, enófilo retinto

Vinho: Dona Maria 2004 (T)
Região: Alentejo (Estremoz - Borba)
Produtor: Júlio Tassara Bastos
Grau alcoólico: 14,5%
Castas: Aragonês, Alicante Bouschet, Syrah, Cabernet Sauvignon
Preço em feira de vinhos: 6,75 €
Nota (0 a 10): 6

Vinho: Granja-Amareleja 2004 (T)
Região: Alentejo (Granja-Amareleja)
Produtor: Coop. Agrícola da Granja
Grau alcoólico: 14%
Castas: Moreto, Alfrocheiro, Aragonês
Preço em hipermercado: 9,98 €
Nota (0 a 10): 7

Vinho: Herdade do Peso, Alfrocheiro 2000 (T)
Região: Alentejo (Vidigueira)
Produtor: Sogrape
Grau alcoólico: 14%
Casta: Alfrocheiro
Preço em feira de vinhos: 13,50 €
Nota (0 a 10): 9

Vinho: José de Sousa 2003 (T)
Região: Alentejo (Reguengos)
Produtor: José Maria da Fonseca
Grau alcoólico: 13%
Castas: Trincadeira, Aragonês, Grand Noir
Preço em feira de vinhos: 6,09 €
Nota (0 a 10): 7,5

Vinho: Singularis, Aragonês e Trincadeira 2004 (T)
Região: Alentejo (Vidigueira)
Produtor: Paulo Laureano
Grau alcoólico: 13,5%
Castas: Aragonês, Trincadeira
Preço em hipermercado: 5,99 €
Nota (0 a 10): 7,5

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Krónikas do Alto Alentejo (XIII)

No meu copo, na minha mesa 165 - Monte da Cal Reserva 2004; A Gruta (Portalegre)

Outro restaurante que teve direito a repetição, tão boa foi a impressão da primeira visita. A Gruta tem sido o restaurante que representa o norte do Alentejo no festival de gastronomia de Santarém e é um dos incontornáveis da cidade.
Logo na entrada, um corredor profusamente preenchido com livros, revistas e garrafas, tudo relacionado com o vinho. Ao entrar na sala, deparamos com um cenário ainda mais preenchido. Algumas das paredes estão repletas de estantes com dezenas de garrafas, existem várias mesas com entradas e sobremesas, o que nos faz sentir quase como estando num santuário gastronómico. Para o cliente mais interessado, estão ali praticamente todos os vinhos alentejanos que se possa imaginar. Foi numa dessas prateleiras que encontrei o Garrafeira dos Sócios de 96 que começou a acompanhar esta refeição, e que já mereceu um post à parte (se ampliarem a segunda foto e olharem bem para a estante mais à direita, podem encontrar lá a garrafa junto a uns varietais do Esporão...).
Passando aos sólidos, a mesa já estava preenchida com uns pratinhos de presunto Pata Negra. A escolha do prato foi difícil, tão variadas e tentadoras eram as propostas, pelo que nos aconselhámos com o sr. Felício, o dono do local. As opções incidem sobretudo nos pratos regionais, como é óbvio, com alguns toques de requinte.
Acabámos por escolher uma canja de pombo para começar, seguindo-se um polvo à Lagareiro e eu escolhi nacos de porco preto, que estavam tenríssimos e muito bem apaladados. Entre as várias sobremesas optei por um doce Dom Duarte, que é uma espécie de fatia de bolo de doce de ovos com cobertura de amêndoa.
Quando o Garrafeira dos Sócios acabou, mudámos radicalmente e experimentámos o Monte da Cal Reserva 2004. É proveniente da Herdade Monte da Cal, próximo de Fronteira. Sinceramente não me despertou grande simpatia. É mais um vinho hiperalcoólico e hiperfrutado, com grande predominância a especiarias. Enfim, começa a ser “mais do mesmo” sempre que encontro este tipo de vinhos que já cansa. Acho que vou começar a olhar para o grau alcoólico antes de comprar, pois esta profusão de vinhos com 14 graus ou mais já começa a não ter graça. Nos últimos tempos, então, principalmente com as colheitas de 2003 e 2004, tem sido demais. Já começo a estar farto.
A segunda visita à Gruta pautou-se por um jantar diferente, em grupo e com ementa já escolhida mas com um buffet de frios e quentes à disposição. Tivemos uma grelhada mista de porco e a acompanhar vinho da casa, em jarro. Como quase sempre acontece com estes vinhos, era bebível... e só isso. Para terminar, buffet de sobremesas à discrição.
Em suma, um restaurante com um excelente serviço e excelente confecção. Tudo levado muito a sério e com muita qualidade. Um local a repetir se houver oportunidade para isso.

Kroniketas, enófilo itinerante

Restaurante: A Gruta
Bairro do Atalaião Velho, 8-A
7300 Portalegre
Telef: 245.201.402
Preço médio por refeição: 30 €
Nota (0 a 5): 4,5

Vinho: Monte da Cal Reserva 2004 (T)
Região: Alentejo (Portalegre)
Produtor: Dão Sul, Sociedade Vitivinícola - Herdade Monte da Cal
Grau alcoólico: 14%
Castas: Trincadeira, Syrah, Alicante Bouschet
Preço no restaurante: 22 €
Nota (0 a 10): 6

sábado, 9 de fevereiro de 2008

No meu copo 164 - Albis 2006

Experimentei-o pela primeira vez há dias num restaurante perto de Setúbal com uma caldeirada, e quase me atreveria a dizer que caiu que nem... ginjas! Ou seria, neste caso, que nem uvas?
Pois este Albis, um branco da José Maria da Fonseca mais recente que o conhecidíssimo BSE, foi uma agradável surpresa. Elaborado a partir das castas Moscatel e Arinto, obteve-se aqui um produto muito bem acabado em que se consegue tirar o melhor de cada uma delas: a doçura e suavidade do Moscatel equilibrada com a acidez e secura do Arinto, de que resulta um vinho equilibrado, muito fresco e aromático, com alguns aromas florais e uma certa predominância gustativa a citrinos, com alguma acidez a marcar o final.
O grau alcoólico moderado ajuda a torná-lo um vinho muito fácil de beber, que parece calhado para o tempo quente mas não deslustrou num dia de Inverno marcado pela chuva e bateu-se muito bem com a caldeirada.
Sendo barato, é um daqueles que podem ser recomendados para o dia-a-dia mas também não deve ficar mal com pratos mais elaborados e requintados, pois apresenta alguma elegância. Quanto a mim uma aposta muito bem conseguida de Domingos Soares Franco. Vai para a nossa lista de recomendáveis.

Kroniketas, enófilo esclarecido

Vinho: Albis 2006 (B)
Região: Terras do Sado
Produtor: José Maria da Fonseca
Grau alcoólico: 11,5%
Castas: Moscatel (82%), Arinto (18%)
Preço em hipermercado: cerca de 3,90 €
Nota (0 a 10): 7,5

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Krónikas do Alto Alentejo (XII)

Casa de Alegrete


Para lá da povoação de Alegrete a caminho de Besteiros, bem lá no alto da serra de S. Mamede para cima dos 600 metros de altitude, fica a vinha donde sai o Casa de Alegrete, a grande revelação desta minha permanência por terras de Portalegre. O dono, João Torres Pereira, era um vendedor de maquinaria industrial em Lisboa, onde viveu durante 37 anos, até que o sogro, proprietário de 60 hectares de vinha no Monte das Cortês, um terreno de xisto em plena encosta da serra, pôs a propriedade em nome da filha.
Durante anos as uvas eram vendidas à Adega Cooperativa de Portalegre, até que em 2003, apercebendo-se de algumas dificuldades por que passava a Adega, João Torres Pereira propôs à mulher que fizessem o seu próprio vinho com aquelas uvas. Para isso chamou o enólogo Paulo Fíuza Nigra (da família Fiúza, produtora de vinhos no Ribatejo) para avaliar as potencialidades das uvas. E assim se avançou para a produção do primeiro vinho na colheita de 2004. Não dispondo de equipamento próprio para a vinificação das uvas (o terreno e o casario era essencialmente destinado ao pastoreio de ovelhas), estas foram transportadas para a adega da Farizoa, na Terrugem, propriedade da Companhia das Quintas. Para fazer face às necessidades de produção (e minimizar os custos que a produção à distância acarreta), João Torres Pereira, que entretanto se apaixonou pela vinha e pelo Alentejo, está a planear a construção de uma adega no antigo casario do monte.
A evolução do vinho, acompanhada pelo enólogo, recomendou a aquisição de barricas para lhe permitir um estágio de modo a desenvolver as suas potencialidades. O estágio acabou por chegar a um ano antes de ser engarrafado. Com uma produção inicial pouco acima das 10.000 garrafas, a primeira colheita foi desde logo um êxito na região, seguindo-se a de 2005, já mais volumosa, que já tive oportunidade de provar por três vezes. As seguintes, 2006 e 2007, ainda aguardam o que o futuro lhes irá reservar.
Composta por três parcelas de vinhas com 10, 20 e 30 anos com as castas tradicionais misturadas, começa agora uma fase de alguma reconversão e melhoramento na vinha com a implantação de novas cepas e a instalação de varas e arames de modo a aumentar a altura das cepas e melhorar a exposição solar. Para já não é feita rega da vinha, deixando ao solo e ao clima o desenvolvimento da uva, pois o produtor considera que o terreno lhe dá todas as possibilidades de obter um excelente produto. Para ajudar a natureza é dada muita atenção à poda, o que implica deitar muita uva para o chão, limitando a produção. A colheita de 2006 rendeu 25.000 garrafas, enquanto 2007 irá render apenas 16.000, pois a aposta é na manutenção dum nível de qualidade que permita afirmar a marca sem procurar crescer desmesuradamente em quantidade.
A intenção de João Torres Pereira é manter os pés bem assentes na terra e não querer chegar ao céu rapidamente. A julgar pelas provas que fiz deste vinho, parece-me que vai no bom caminho e tem todas as condições para se afirmar no mercado, mantendo um preço muito aceitável. Consegui comprar ao produtor a 7 € por garrafa.
Fixem este nome, pois é muito bem capaz de vir a dar que falar.

Kroniketas, enófilo itinerante